segunda-feira, 16 de março de 2009

Quem disse que o Brasil não exporta software? (matéria de revista Época Negócios)

Quem disse que o Brasil não exporta software?
Como um grupo de empreendedores está desbravando o mercado externo e faturando com a exportação de programas e serviços de tecnologia
João Loes

Já virou lugar-comum dizer que o Brasil não tem vocação para exportar produtos de alta tecnologia e valor agregado. Seria nosso destino vender apenas matérias-primas e alimentos. Talvez alguns produtos industrializados, como aviões e automóveis. Mas não é bem assim. Nos últimos anos, o país multiplicou suas exportações de software e serviços de tecnologia. Segundo dados da Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex), o Brasil faturou US$ 800 milhões nesse setor no ano passado, 13 vezes mais que há dez anos.

Ainda é muito pouco num mercado que movimentou, segundo a Softex, US$ 1,3 trilhão em 2007 em todo o mundo. É uma pequena fração dos US$ 40 bilhões que a Índia, grande estrela desse mercado, exporta por ano na área. É preciso levar em conta que, como a base inicial era baixa, qualquer crescimento tem impacto significativo no resultado. Ainda assim, o desempenho brasileiro revela que há espaço para conquistar uma posição relevante na arena global. "Do ponto de vista da competência, o Brasil está preparado para atender às demandas mundiais", diz Antônio Carlos Gil, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Softwares e Serviços para Exportação (Brasscom).

Entre as empresas brasileiras exportando nesse setor, há gente de todos os portes – de pequenos com faturamento inferior a R$ 500 mil por ano, como a D'Accord, do Recife, que produz softwares musicais, a gigantes como a Politec, com faturamento de R$ 550 milhões em 2007, especializada no desenvolvimento de programas para o sistema financeiro (leia a seguir). "Conseguimos transformar o Brasil numa referência na área de tecnologia", afirma Humberto Luiz Ribeiro, sócio e vice-presidente da Politec.

A vida de caixeiro-viajante digital não é fácil. O governo, segundo os empresários, dá pouco ou nenhum apoio para as vendas externas. Um dos obstáculos é convencer a clientela de que o Brasil é capaz de desenvolver programas inovadores e prestar serviços com qualidade mundial. Mas a legião de empreendedores brasileiros parece insistir em desafiar a lógica.

Acordes virtuais para 65 países

Uma empresa do Recife cresce com a venda de programas musicais pela

Fundadores da D'Accord, empresa do Recife especializada em softwares musicais, os programadores e sócios Américo Amorim e Jordano de Freitas conseguiram fazer sua primeira venda no exterior por meio da internet. Em 2003, dizem, um ano depois de lançarem um software pioneiro de afinação de violão, um cliente do exterior "baixou" a versão em inglês do programa por meio do site download.com. Pagou US$ 29 com cartão de crédito, sem burocracia alfandegária. "Foi uma grande surpresa", diz Amorim, que tem 26 anos, mesma idade do sócio. Hoje, a D'Accord oferece mais de dez softwares musicais pela web. Contratou nove programadores e um músico. Já vendeu, de acordo com os sócios, 160 mil cópias em 65 países desde o início do negócio. Em 2007, eles dizem que o faturamento alcançou R$ 400 mil. Agora, a empresa está desenvolvendo um game musical para os DJs. Para alavancar os negócios lá fora, fechou uma parceria com a Heg Soft, empresa americana que desenvolve planos de marketing virtual e distribui softwares na internet. "Se você tem um site e consegue gerar tráfego para ele, pode se tornar exportador da noite para o dia", afirma Amorim.

Inovação na área educacional

O Brasil usava pouca tecnologia em salas de aula. A solução foi apostar no mercado americano

Em 2003, ao desenvolver seu software de simulações tridimensionais para lousas eletrônicas, o empresário Mervyn Lowe, fundador da P3D, de São Paulo, diz que já estava de olho no mercado externo. Lowe, de 41 anos, afirma que sabia das dificuldades que teria para vender o produto aqui no Brasil, dado o baixíssimo índice de uso de tecnologia em salas de aula na época, mesmo em escolas privadas. Por isso, logo depois de finalizar o produto, diz que foi averiguar o mercado americano. Em sua primeira viagem, visitou a NECC, uma feira anual voltada para o uso do computador no ensino, em Boston, na Costa Leste dos Estados Unidos. Lá, Lowe diz que conheceu representantes da SmartBoard, uma empresa americana criada em 1987 que foi uma das pioneiras no desenvolvimento de programas do gênero. Segundo Lowe, eles se interessaram pelo produto e queriam distribuí-lo no mercado americano. "O pessoal ficou impressionado com nosso software", afirma. "A lousa eletrônica é o ápice da tecnologia."

Lowe diz que levou seis meses para produzir uma versão em inglês do programa, cuja licença custa US$ 700 por unidade. Mas valeu a pena. O negócio lhe abriu as portas do mercado internacional. Hoje, além dos EUA, diz Lowe, seu software é usado em escolas de 12 países, entre eles Inglaterra, Alemanha, Espanha e Finlândia. No Brasil, cerca de 150 instituições já usam o programa da P3D. O faturamento da empresa alcançou R$ 2,5 milhões em 2007, 30% dos quais em exportações, Lowe pretende aumentar a fatia das exportações para 50% do total até 2011. 


Facilidades para as empresas

Engenheiro paulistano prospera com a venda de programas para computadores de mão e celulares

O engenheiro paulistano Marcelo Condé, de 33 anos, fundador da Spring Wireless, especializada na criação de aplicativos para computadores de mão e smartphones, tem marcas poderosas entre seus clientes externos, como o Citibank e a Coca-Cola. Para o Citi, ele desenvolveu um software que permite aos gerentes abrir novas contas fora da agência por meio de um dispositivo portátil. Para a Coca-Cola, um programa usado pelos vendedores da empresa que permite controlar os pedidos em tempo real. Condé diz ter uma parceria com uma das maiores seguradoras da Rússia. A empresa, segundo ele, trabalha com 20 mil corretores que visitam a clientela com dispositivos móveis para fazer simulações e vendas. Hoje, afirma, dos R$ 170 milhões que a empresa faturou em 2007, 10% foram de exportações para 13 países.

As lições da ciranda financeira

O conhecimento do país na área bancária facilita a venda de programas para instituições no exterior

A Politec, uma das maiores empresas de produção de softwares do país, especializada nas áreas financeira e governamental, exportou cerca de R$ 50 milhões em 2007. Foi cerca de 10% de seu faturamento anual, de R$ 550 milhões em 2007. Neste ano, a empresa, que tem sede brasileira, espera multiplicar a receita externa. Afinal, acabou de receber um aporte de US$ 20 milhões da Mitsubishi, um dos maiores conglomerados do Japão, e, até o final do ano, deverá receber mais US$ 60 milhões. De quebra, ainda ganhou a Mitsubishi como cliente. "A negociação levou quatro anos", afirmou Humberto Luiz Ribeiro, vice-presidente e sócio da empresa. "Mas o esforço compensou."

A Politec também deverá oferecer serviços de tecnologia para o Japão. Segundo Ribeiro, o Brasil tem uma das maiores comunidades japonesas do mundo e pode oferecer o serviço por um preço muito menor que o cobrado no Japão. Ribeiro se refere à distância e, principalmente, ao fuso horário entre os dois países. As 12 horas de diferença jogam a favor do Brasil. "Podemos cobrar preços de mão-de-obra noturna para atender os japoneses de dia", diz.

No rastro da AmBev

Contrato com a cervejaria abriu as portas do grupo InBev, presente em 32 países

Especializada no desenvolvimento de programas para departamentos jurídicos de empresas, a Tedesco, de São Paulo, entrou no mercado externo pela mão da AmBev, que reúne a Brahma e a Antarctica. Segundo o fundador da Tedesco, Marcelo Madalozzo, o sistema passou a funcionar em versão adaptada às necessidades da AmBev em 2007. Funcionava tão bem, de acordo com o empresário, que um representante da InBev – grupo com sede na Bélgica que controla a AmBev no Brasil – resolveu adotá-lo em todo o mundo. Hoje, o programa roda nos escritórios da InBev de 32 países e em 17 línguas. A próxima meta é chegar aos celulares com tecnologia 3G. Até agora, a InBev é o único cliente externo da Tedesco. Mas Madalozzo diz que a empresa está desenvolvendo projetos na Guatemala e está prospectando clientes em outros países. A julgar pelo sucesso que alcançou com a AmBev, cuja exigência é reconhecidamente alta, tem tudo para dar certo.

 



Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI3944-15259,00.html

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